calma calma, não vou defender monarquia aqui.
não que seja algo que eu sempre procure, mas ao longo destes meus anos de vida, eu tenho fascínio por algumas monarcas. sim, são todas mulheres, acho que você deve presumir que não existe nada de interessante em reis e imperadores, o local de poder é deles, então, não vejo graça nenhuma no que eles fazem, contudo, as mulheres… existe algo aí.
a primeira que comecei a ter fascínio foi a Maria Antonieta. acho que de todas, quatro no caso, que tive interesse, ela é a mais fraquinha. mas foi a primeira. começou com o filme da Sofia Coppola, a infame, não gosto dela por sinal, mas o filme é muito gostoso de ver e temos um pouquinho do que teria acontecido com ela. não gosto muito das escolhas que Coppola fez no filme, mas enfim, gostei dele de qualquer forma, gostei tanto que procurei o livro no qual ela se baseou.
Maria Antonieta era uma das filha menores dos monarcas austríacos, como mulher, sua serventia era basicamente como moeda de troca para apaziguar alguma situação, ou criar laços com outros monarcas europeus. o casamento dela com o delfim francês, futuro Luís XVI, firmou uma união entre Áustria e França. o papel dela era puramente de enfeite e parir filhos, que seriam a continuação da linhagem. de uma certa forma, ela fez tudo isto, mas o que a diferencia é que ela o fez bem do seu jeitinho, gerando um certo caos na corte francesa, até explodir a Revolução Francesa, ela ser presa e posteriormente morta.
confesso que a história dela não é das mais, digamos, mulher forte core dentre todas as monarcas europeias, mas foi o que abriu a porteira para drogas mais pesadas.
passou-se uns anos e foi a vez da maior de todas, sim, Cleópatra. a biografia que li dela é uma raridade, foi escrita por uma mulher que, ao final do texto, deixou claro a complexidade de saber o que é verdade ou não sobre ela pois, surpresa, a história foi escrita por homens. os relatos que temos da Cleópatra já são questionáveis, por serem póstumos, ou seja, bem depois da morte dela, mas também porque a principal fonte é de um romano que odiava a figura dela. então, com certeza, o que temos sobre ela pode ser mentira.
e de novo, o que me fascinou nela, na Maria Antonieta e nas outras que falarei, é o fato dela ter feito tudo do seu jeito para sobriviver no mundo. no caso da Cleópatra, a necessidade de sobrevivência era ainda mais forte, afinal, ela vem de um contexto no qual viu seu parentes se degladiando para assumir o poder.
o que me fascinou nela é a inteligência, todos os conhecimentos que ela acumulou que iam desde coisas puramente filosóficas até estratégias de guerra. mas não era só isso, o sexo, querendo ou não, é uma artimanha masculina, a fonte de prazer, bem como uma arma, ela conseguiu virar este jogo. um momento do livro que achei incrível é o questionamento sobre o filho que ela teve era de fato de Júlio César, porque existia um boato de que ele era estéril, não só isto, um questionamento sobre como ela soube escolher o exato momento para engravidar.
no livro “Calibã e a Bruxa”, da Silvia Federici, ela fala como os saberes sobre o corpo feminino passaram das mulheres para as mãos de médicos homens. o objetivo era tirar o controle do corpo das nossas mãos, porque, vendo as mudanças do contexto econômico, aumentando a necessidade de mão de obra, era preciso fazer as mulheres parirem muito mais, então, se antes poderíamos saber todas as ervas para previnir gravidez, ou realizar um aborto, agora temos uma quantidade limitadíssima de possibilidade de contracepção. e por que trago este ideia? no livro sobre Cleópatra houve este choque dela ter engravidado quando desejou, mas a questão é, as mulheres sabiam mais sobre seu corpo e como controlá-lo, então, é obvio que isto ajuda ela a engravidar quando desejasse, basicamente o que aconteceu de fato, contudo, isto foge da compreensão dos historiadores homens.
Cleópatra, usando todas as artimanhas possíveis, sobreviveu num mundo selvagem, deixando um legado que lembramos até hoje, ainda que muitos registros podem ser questionáveis. após ler sua biografia, entendi um pouco porque ela gerou e ainda gera muito interesse nas pessoas.
avançando um pouco mais na história, cheguei na Catarina, a grande. meu primeiro contato com ela já demonstra a misoginia dos relatos de qualquer mulher que quis o poder para si. foi na série The Big Bang Theory, em algum momento o personagem Sheldon fala que ela era uma monarca sádica e sexualmente maluca, tendo relatos de que ela tinha uma engenhoca para conseguir transar com cavalos. claro que tudo isto é mentira, mas no fundo ela não sucumbiu ao ódio de seu marido e buscou amores e prazeres em outros homens.
mas enfim, ouvimos pouco sobre ela, porque no fundo também sabemos pouco sobre a história da Rússia. para não deixar este texto algo gigantesco, uns pontos sobre ela:
ela não se chama catarina de verdade, foi o nome de batismo de quando ela se converteu ao catolicismo ortodoxo, seu nome de nascença era Sofia;
ela era alemã e foi levada pela corte russa pelo apreço que a imperatriz da época tinha com a mãe dela;
quando conheceu seu futuro marido, eles de davam bem, mas ele era inseguro demais e, após ter contraído varíola, sua aparência ficou horrenda e ele descontou toda sua raiva nela;
ela era muito culta, amava ler e quando subiu ao poder investiu em peso na educação e saúde pública, ela botou muita fé num projeto inicial ousado, a vacina contra a varíola;
ela não aceitou o papel de mera esposa, vendo todo o caos que seu marido fazia no governo, o descontentamento do povo russo, sendo apoiada pela maioria, tanto na corte quanto pelo povo russo, deu um golpe de estado e assumiu o posto de imperatriz russa;
foi uma das poucas que recebeu o apelido em vida, ou seja, ela era grandiosa a ponto de ter essa denominação enquanto governava;
possivelmente todos os seus filhos são dos seus amantes, nenhum do marido, e como seus filhos se casaram com outros monarcas da europa, todas as dinastias posteriores no fim são fruto de “classes inferiores”;
ela era uma grande estrategista e, se ela não conquistasse alguém pela sua inteligência, era botando medo mesmo.
eu fiquei um bom tempo fascinada nela, porque ela fazia uso da sua inteligência, mas também era muito carismática, era justa, dentro do quanto um monarca pode ser justo, era respeitada, enfim, mais uma mulher que conseguiu vencer dentro de um mundo de poder feito por e para homens.
e agora é vez de mais uma, Catarina de Médici! CALMA, não vou contar a história dela, porque agora chegamos no ponto real da situação aqui. eu comecei a me interessar pela série The Serpent Queen, uma ficção biográfica sobre ela, contanto sua história e as artimanhas que teve que desempenhar ao longo de sua vida para sobreviver. assim como as monarcas anteriores, ela não deixava barato quem tentasse ofendê-la.
meu namorado, sempre ele que observa muito bem as coisas que eu gosto, disse que eu tenho um fraco por essas monarcas, notadamente que se sobressaem, que jogam o jogo e deixam todos os homens no chinelo. rimos e segui a vida.
contudo, na mesma semana que ele disse isto, peguei para ver um pouco sobre outra grande mulher, não tão monarca, mas foi uma rainha do narcotráfico. Griselda Blanco, uma colombiana que botava medo até no Pablo Escobar.
e aí fiquei pensando em como odeio personagens femininas fracas, que parecem que saem da coitadolândia e não conseguem fazer nada por si só. sejam essas personagens reais ou não, eu não tenho paciência para propagação de uma imagem de feminilidade que é associada com fragilidade. tenho preguiça de ver mulheres sendo salva por homens que não possuem nada além de força física.
estas mulheres ficcionais ou reais, até no sentido de monarquia, que me geram fascínio poderiam não ter o corpo mais ágil, mas elas tinham uma mente sagaz. elas sabiam usar as coisas ao seu favor e não deixavam ninguém passar por cima delas. e depois que meu namorado fez este comentário, eu observei o sentimento que me gera vendo tais mulheres. eu me sinto motivada, eu sinto que posso vencer o mundo, que eu posso ser muito mais do que falam que deveria ser. a sensação é que eu posso ser grande e ambiociosa.
e a gente que é mulher sabe como tais desejos são quase proibidos, não podemos querer grandeza. temos que ser pequenas para caber nas idealizações dos homens, dos empregadores, da nossa família e até de amigos. então, é gostoso ver que ao longo da história existiam mulheres que ousaram em ser grande. tanto estas que possuem registros e sabemos o que aconteceram com elas, mas até as que foram esquecidas, por mais que queiram nos vender a imagem de que não lutamos por nada e sempre fomo submissas, não, isto não é verdade, lutamos e seguiremos lutando para sermos grandes.
e o desejo de ser cavalona?
obs: se você não sabe o que é, cavalona é uma mulher fortona, grandona, aquela você não sabe se sente medo ou quer ser pega no colo por ela.
semana passada eu tive um devaneio que deveria acontecer durante a TPM, mas veio antes, para minha alegria. *contém ironia*
eu estava odiando o meu corpo. estava me sentindo imensa, odiando cada pedaço de pele que existia em mim. voltei com um pensamento que eu detesto: e se eu fosse mais magra?
eu sei que a exigência de magreza não tem gênero, porém ainda acho que para mulheres ela é muito mais cruel. desde o ano passado estamos vendo o pior comeback de todos, a moda dos anos 2000, que constitui da cintura baixa e da magreza extrema, aquela magreza esquelética que beira a desnutrição.
eu olhava meu corpo, o corpo que eu via nas redes sociais, pensei por um momento que deveria aumentar ainda mais minha carga de atividade física e entrar numa dieta de restrição calórica.
uma coisa que ninguém fala é que, não importa o quão feminista você seja, nem sempre é fácil ignorar a pressão estética deste mundo. e eu me vi nesta situação, odiando meu corpo e pensado que eu deveria parar de comer.
contudo, pensado sobre todas as mulheres que lutaram para vencer este sistema, e também, vendo este vídeo maravilhoso da Gabriella Magalhães, eu coloquei um freio no auto ódio.
o lance disso tudo não é apenas a questão da magreza, ela é meio que a ponta do iceberg. o que vem com um corpo magro, o magro que não come, o magro que não se exercita, é a fraqueza e ausência de desejo. o corpo que não é nutrido não tem força para nada. e, querendo ou não, é isto que esperam de uma mulher.
e é muito interessante como a ideia de magreza extrema vem justamente após, de pelo menos duas décadas, de um movimento feminista forte. não só isto, mas tudo que a onda conservadora coloca como esperado de uma mulher extremamente submissa. a mulher “de verdade" é magra, dependente, fraca, mesmo que no fundo, todos os homens que amam levantar esta bandeira não saibam nem limpar a própria bunda sem ajuda.
a magreza pode ser vendida como um ideal de beleza, mas no fundo ela é apenas mais uma faceta da estrutura que quer nos impedir de lutar por direitos básicos. sem contar o ódio com um corpo que é capaz de fazer tantas coisas.
às vezes eu esqueço como toda essa massa é capaz de fazer tantas coisas, porém, ela só é capaz porque eu treino e porque eu como o tanto que o corpo precisa. imagina você não cuidar do seu corpo e não explorar tudo que ele pode te proporcionar? afinal, não vamos esquecer que o prazer também demanda um corpo bem nutrido.
e aí ao invés de querer esta magreza extrema, mal nutrida, eu vou querer ser cavalona, grandona, fortona, uma geladeira eletrolux inox quatro portas, uma hailux branca com farol de led, um trator. brincadeira, não precisa de tanto, mas assim, de fato uma ficha cai de que ser algo que não é coerente com meu tipo físico é sucumbir ao sistema. porém, se eu quiser lutar contra ele, preciso ser forte, preciso ter energia, preciso ser ágil. aliás, ponto importantíssimo levantado por Carlos Marighella, se você não sabe quem ele é, vai dar um google.
e aí também que eu fico extremamente motivada quando vejo mulheres que fazem o oposto do que é esperado delas, mesmo que seja crime em alguns casos… mas é isso, eu vejo todas estas coisas e penso que quero ser o terror do patriarcado e do capitalismo, ser inteligente e fortona, ser esperta e ágil, ser tudo que não querem que eu seja.
então mulher, se você precisava de um sinal para se matricular na academia, no crossfit, no pole dance, numa luta, este texto é para você! e lembra de comer proteína!
meus dois centavos de pitaco:
eu pensei em fazer um texto sobre o twitter, mas como sei que vai ter uma enxurrada sobre isto nas próximas semanas, vou deixar o burburinho passar. mas apesar dos pesares, saudades daquela rede social, porém, né, o cara tem que cumprir as leis de um país;
essa semana a ansiedade climática torou, o sol nascendo naquele pique mad max me deixa meio apavorada com o futuro, não nego;
pasta de amendoim é uma das grandes maravilhas da humanidade, mas ainda não sei o porquê de maromba gostar tanto;
não aguento mais o pessoal do marketing vindo para o substack.
eu amo tanto este meme!!!
é isto.
adorei!! eu sou fascinado pela Mariana Antonieta e pela Ana Bolena desde pequeno
é impressionante como até mulheres poderosas são silenciadas em suas biografias…