um exercício de pensamento que todo mundo já se fez uma vez é: você gostaria de ter vivido em outra época? minha resposta, em geral, é não. por mais que eu ame uma estética mais antiga, vintage, odeie tecnologia e o mundo moderno, no fundo, eu entendo a diferença do que é ser mulher hoje e do que seria nos anos 1950. amo o antigo, mas não tenho desejo algum em viver nele. porém, em alguns momentos me pego nostálgica de um passado que nunca vivi.
escrevo esse texto com inúmeras motivações, que envolvem tanto um pedido do meu namorado, quanto a inclusão de uma forma de eu falar um assunto que me irrita, também trazendo uma reflexão que eu tenho. a introdução que eu fiz vai fazer sentido.
semana passada, um único dia foi capaz de me gerar um estresse que perdurou por uns dias, até me tirando o sono.
apenas um único dia que me assombrou pensando “que caralho de mundo que a gente vive”, com “porra, ao menos antes a gente conseguia sonhar com um mundo melhor”. sem querer soar pessimista, ou negativa, mas possivelmente já soando, engraçado ver que nem as mais bizarras das distopias conseguiram prever o caos de mundo de hoje.
em um único dia vemos um show de horror de uma CPI que deveria servir para discutir a divulgação de jogos de azar por parte de influenciadores. afinal, o vício em jogos já é questão de saúde pública. vemos pessoas perdendo família, casa e até tentando tirar a própria vida por causa do tamanho de dívida que fez. ver pessoas realizando tais publicidades não é algo bobo, essa galera incentiva algo que já é um problema grave.
a internet tem muita magia, uma delas é vender a possibilidade de um futuro falso para nós, meros mortais. pessoas que influenciam outras sempre existiu, o problema é que hoje parece que qualquer um pode virar um influenciador. e você pode até ter um sonho bonito de que, com a influência, é possível oferecer motivação para as pessoas serem melhores. que elas podem conseguir mais. quase como um guia espiritual. fale isso o quanto quiser, mas são só palavras bonitas para vender uma coisa: entretenimento barato, rápido e raso.
esses influencers de estilo de vida são a escória da humanidade. ganham seu dinheiro mostrando uma realidade falsa, mentindo para os seus seguidores e fazendo de tudo para arrancar o dinheiro suado de quem os admira.
somos todos adultos no final do dia, não é mesmo? mas se você adora o senso de autoridade que ser influencer gera, por que não se responsabilizar por fazer pessoas apostarem, principalmente quando existe uma clausula no seu contrato que diz que você ganha em cima de quem perde?
malabarismo argumentativo e a dita cuja diz que o que dizia era apenas que, batendo meta, ela ganharia uma porcentagem em cima do lucro da empresa. e como a empresa lucra? com pessoas perdendo apostas.
uma imagem angelical, estrategicamente montada para, ainda em uma situação séria, criar seu conteúdo. a loira ali é só mais alguém, não é uma empresária multimilionária, ela é mãe, esposa, mulher. uma mera camponesa… em nenhum momento ela apontou uma arma na cabeça de cada um, obrigando a apostar. cada indivíduo com suas responsabilidades, já que somos adultos.
viver da influência é simplesmente se colocar deslocado do mundo real. enquanto todo mundo se mata de trabalhar, ganhando menos do que merece, perdendo os parcos direitos trabalhistas que existem, eles mostram uma vida dos sonhos e dizem “se eu consegui você também consegue”. nos culpam por querer sonhar com uma vida melhor, nos culpam por fazer de tudo para ter essa vida melhor. e aí somos gananciosos por querer ter o básico.
a gente ainda está lutando pelo básico, quando estivermos se digladiando pelo luxo, aí podemos falar em ganância. porém, o lance é que se a gente tem o essencial, dificilmente vamos nos importar tanto assim com o luxo.
vemos o que significa dar fama para qualquer um. vemos os poucos valores coletivos construídos aos longo do século XX indo para o ralo. tudo porque tivemos uma frustração com o futuro, porque não aprendemos com o passado…
e se não bastasse a lástima de um dispositivo democrático sendo usado para um circo, Pepe Mujica morre. ok, já estava velhinho, fazendo tratamento paliativo para o câncer, seus dias já estavam contados, era só esperar.
eu não preciso nem falar quem ele foi, mas sua morte simboliza para mim toda a desesperança de mundo, porque as grandes figuras estão indo e sem deixar pessoas que continuem seu legado. Mujica ao menos conseguiu isso, dentro do possível, mas ainda acho que o mais importante está se perdendo: o desejo e fúria para se conseguir construir um futuro melhor.
sempre acho curioso como as músicas dos Racionais MC’s traziam uma esperança absurda para o século XXI. hoje, sinto falta desse passado que nunca vivi. um passado que pensar em um mundo comunista, em um mundo sem o capitalismo soava possível. em que a força do movimento social era avassaladora.
porém, o mundo de hoje é a intensificação do capitalismo. tudo é sobre consumir e ser consumido. falar do fim do capitalismo soa algo surreal, sendo mais fácil imaginar o final do mundo do que o fim desse sistema de moer gente, como bem disse Mark Fisher em seu livro Realismo Capitalista.
o Mujica e muitos outros que eram de sua época, e que vieram antes dele, traziam o ardor de uma paixão por um sonho de uma vida melhor. acreditavam com todo o seu sangue que o mundo poderia mudar, que todos poderiam ter uma vida digna.
e enquanto passamos boa parte desse dia vendo o que o sistema faz conosco, com a necessidade de precisar ter mais dinheiro, lembramos da mensagem dele. a vida que vale a pena é aquela na qual você tem tempo para curtir, para aproveitar, para amar. viver trabalhando não é vida, viver para pagar as coisas não é vida.
num mundo no qual deveríamos sonhar com uma utopia de uma vida melhor, sem exploração e com tempo, no fundo temos a distopia da idolatria de figuras rasas e levianas.
não queria ter vivido no passado, mas queria ter tido a esperança de um futuro melhor.
O que ando lendo por aqui:
O direito de ler enquanto se janta sozinho, do Lucas Verzola;
Bets, bebês e Chomsky: a crise é institucional, da Milena Fischer;
Hello, Darkness, da Máira Nunes;
Onde estamos quando dizemos que estamos no mundo?, da Raisa Monteiro Capela;
Virgínia Fonseca e a roupa como dissimulação na CPI das Bets, da Carina Rufino;
The darkness of Italian womanhood, da Elizabeth Djinis;
edição 273 Queria ser grande, mas desisti, Bárbara Bom Angelo.
Lembrete que desativei os botões de like, comentário e restack!
Caso queria compartilhar, aperte no botão aqui embaixo, ou basta compartilhar um trecho do texto!
Até a próxima.