eu sou uma apaixonada por rotina, nas suas mais diversas facetas. desde o lado poético, olhando tudo aquilo de pequeno que fazemos no dia a dia para deixar tudo mais confortável, quanto a particularidade psicológica, eu preciso de estabilidade para ficar bem, uma rotina previsível me deixa mais tranquila.
99% das vezes que meu namorado pergunta como foi meu dia, é sempre o mesmo, as coisas são as mesmas. o que confunde são as ordens das atividades físicas que eu faço, até hoje ele não sabe quando é pilates, academia, pole e lira. e tudo bem. pois isto não preciso de dias definidos, só faço sempre que possível, sem desgastar meu corpo.
contudo, dentro deste meu desejo voraz de ter paz no meu cotidiano, comecei a consumir muitos conteúdos sobre rotina, hábitos e qualquer pequena coisa que você pode fazer para melhorar o seu dia. e assim, é muito difícil falar o quão bom será algo na sua rotina, porque isto é algo extremamente subjetivo.
um bom exemplo disso é o diário. eu amo escrever diário e sempre recomendo quando alguém reclama de pensamentos angustiantes. mas e aí, vai funcionar para o outro só porque fundiona para mim? não! então, tudo que envolve rotina, hábitos, parte de um local extremamente subjetivo e é um lance de tentativa e erro. porém, existe uma coisa em comum a tudo que vejo sobre o tema: se condicionar para conseguir colocar estas coisas boas na sua vida.
rato, rato, meu querido rato
imagine-se como um cientista do comportamento humano. você ama pensar como as pessoas se portam em diversas situações, como elas agem em coletivo, o que fazem sob certos estímulos, até que chega um momento que você vira o gênio do mal e pensa: e seu conseguir manipular o comportamento?
não estou falando que era isso que o povo pensou lá no século XIX e começo do século XX, mas não deixo de achar curioso como tentar moldar como alguém age virou obsessão de alguns cientistas.
isto é a premissa básica dos experimentos de caras como Thorndike e Skinner, o último ficando mais famoso. a caixa de Skinner era um espaço com ratinhos que tinham um dispositivo em sua frente que poderia servir comida. a lógica era mostrar como o reforço positivo, no caso a comida, poderia ajudar a condicionar o comportamento, algo que você pode chamar também de hábito. assim, os ratinhos eventualmente entenderam: apertar determinado botão dava comida, então, apertá-lo era a ação desejável que deveria ser mantida.
claro, o experimento extrapolou essa noção básica, enventualmente virou um caos. um exemplo foi a tentativa de ver o que aconteceria com os ratos caso o oferecimento da comida fosse aleatório, então, não era sempre que acionar o botão funcionava. o resultado foi um desespero e os ratos maluco quebrando o botão.
assim, através deste experimento, muitas teorias sobre condioncamento humano foram se desenvolvendo, principalmente pensando sobre a questão do papel de reforços positivos e negativos no estabelecimento de posturas.
corta para algumas boas décadas depois…
hábitos não são coisas inatas, a gente vai fazendo, fazendo, fazendo, até que eles ficam fixos dentro de nós. o problema é que boa parte deles são ruins. dormir tarde, acordar tarde, não fazer atividade física, comer mal, ficar o tempo todo no celular, dentre outros.
tudo dentro de um senso comum do que faz mal para saúde e a gente pensa, luta, faz de tudo para tentar tirá-los, mas nunca consegue.
pensa aí com você os hábitos que gostaria de tirar da sua vida. ou até mesmo os hábitos que você gostaria de ter.
pois bem, dentro de alguns podcasts que eu ouço, rolou este papo sobre hábitos e como tê-los, acabou chamando muito minha atenção o discurso que emula toda a ideia por trás da caixa de Skinner.
então, mona, você quer acordar cedo? acorde e se recompense com alguma coisa que te deixe feliz, um café superfaturado, um docinho, alguma atividade física boa e dá até para ser ousada, se você conseguir fazer isto por 30 dias, você vai comprar aquela coisinha que está querendo faz meses.
então, para ter um hábito que deseja, você se condiciona dentro da lógica: se fizer esta ação em específico, você ganha um reforço positivo, que ao longo do tempo te faz continuar realizando a ação para obter sempre o reforço.
isto também funciona na lógica masoquista. se você realizar um hábito ruim, você se pune de alguma forma.
então, para conseguir ter um hábito, você precisa se tratar como um rato de laboratório, definindo a ação que precisa ser feita e a recompensa que irá receber.
a rotina perfeita existe, é só comprar
sem querer soar idosa, mas eu venho de uma época na qual ter aulas de yoga era muito complicado. aquelas coisas de que, se você mora no interior, pensa que só tem na capital. não digo nem cidade grande, porque campinas é grande, mas yoga parecia aquela coisa bem de cidade cosmopolita.
eu fiz minha primeira aula lá para final de 2019, uma época em que até o conteúdo na internet sobre o tema era escasso, o único canal sobre era basicamente o Yoga with Adriene. é muito louco como a pandemia alterou completamente a nossa percepção de tempo, penso em 2019 como se tivesse acontecido há 10 anos atrás, mas na real só foram 5. mas enfim…
nesta época, a ideia de bem-estar ainda era uma sementinha na indústria, cada vez mais se falava dos benefícios da yoga, da meditação e outras coisas que são boas para sua rotina.
o problema de viver em um mundo capitalista é isto: tudo, TUDO, pode e irá virar um produto para ser vendido.
se antes a yoga tinha uma proposta de conexão com uma certa espiritualidade, ao mesmo tempo que fortalece o seu corpo e te ajuda a lidar com emoções, hoje ela virou mais uma atividade física, disponível em qualquer studio com decoração cafona e cheiro de insenso. não é que você não deva fazer yoga, porém, pense no processo de transformar algo pertencente a uma religião em um produto.
e tudo só é válido neste mundo se ele pode ser vendido, até quando falamos de uma vida mais lenta.
eu sou lenta, eu faço tudo de forma devagar e no meu tempo. não nego que tenha momentos que isto é chato, não é todo mundo que respeita o teu ritmo, então, quando alguém tenta me acelerar, eu fico ansiosa. contudo, preservo este meu jeitinho. no meu tempo, com o essencial de tecnologia e é isto.
e assim, estes tempos, dentro mesmo do notes, o twitter do substack, muitas pessoas estão conversando sobre qual o ritmo que você leva a sua vida e qual você gostaria de levar. muita gente quer ter uma vida lenta e o lance de muita gente querer isto é que tudo que pode estar conctado com este estilo de vida irá virar um produto. ou no caso receber um nome em inglês: slow living.
vida lenta, uma coisa simples que agora também é um conceito de uma vida alternativa, no caso, penso em quem tem dinheiro o suficiente para viver assim. quantos podem ter uma manhã lenta, ler o livro no ritmo que deseja, sobre o tema que deseja, não estar em redes sociais, não ter pressa para chegar em um compromisso? então, somos bombardeados por conteúdos que falam sobre os benefícios de uma vida lenta e listas imensas do que você tem que fazer.
então, com o desespero de tentar ter qualidade de vida, você se enfia numa caixa de skinner e tenta adotar cada hábito que está ali. o começo é mais fácil, você está motivado, mas depois que vai ficando difícil. e, assim como na disposição aleatória de comida, você não sabe quando vai ter a sensação boa do hábito de novo.
frustração.
mas veja, já já aparece mais algun estilo de vida saudável que você PRECISA adotar.
acho que perdi um pouco o fio da meada, porém, acho que você consegue perceber um pouco aonde quero chegar. talvez parte do caminho.
sim, eu sempre vou colocar a culpa no capitalismo, sou exatamente esta chata. mas é difícil não fazer isto quando tudo precisa ser comprado, quando até a qualidade de vida vira um produto e só pode ter quem tem dinheiro.
bem-estar não tem que ser uma indústria, é um direito para uma vida digna. poderíamos entender isto melhor com um coletivo que consegue se articular de alguma forma, discutir e apontar que tem umas coisas esquisitas rolando. mas não conseguimos, porque o estilo de vida que levamos nos obriga a nos isolar e nos dopar para esquecer da vida.
eu sei que parece papo paranóico, contudo, de fato a vida que temos hoje é um projeto em curso e que está tendo muito sucesso. a gente tem o trabalho que ocupa 90% da nossa vida justamente para não termos tempo de articulação, ou até uma conversa básica com amigos para nos darmos conta do trabalho merda que temos. quanto mais isolada é o indivíduo, menos ele luta por algo melhor.
não ter tempo para nada e o tempo que sobra ficar em um desespero individual de uma vida melhor só nos enfia ainda mais neste buraco, ou melhor, na caixinha de skinner.
ter qualidade de vida não é produto e nem luxo, é um direito básico. e cada vez que vejo algum conteúdo, tendência, ou qualquer coisa que seja, tratando deste tema de outra forma, sem ser do reconhecimento de um direito básico, eu fico puta. é mais um dia que fica difícil lutar pelo essencial.
confesso que eu poderia falar muito mais do assunto, mas não nego que este texto já está me causando estresse. só quero acabá-lo e ficar em paz com um tema que queria falar.
com certeza voltarei nele, então aguardem.
não tenho nenhum link legal, nem recomendações, então fica uma foto de um casal de maritaca lindinhos:
a gente acelerou tanto a vida que desacelerar e voltar ao normal virou um luxo.
esse texto explodiu um pouco minha cabeça. queria ter um comentário inteligente e elucidado pra acrescentar, mas to só presa no fato de que eu venho me tratando como um ratinho de laboratório esse tempo todo e tava achando super normal?