a imagem que eu tenho de uma pessoa leitora é alguém que usa óculos, porque sempre nós, leitores, temos o azar de ter a vista prejudicada geneticamente, é introvertida, ou gosta muito de ter momentos em solidão, tem sempre um livro à tiracolo e sempre traz alguma referência de algo que está lendo no momento. ok, ok, é muito estereotipada, mas sabemos que a pessoa leitora tem pelo menos um aspecto do que disse.
outra coisa, leitura sempre me foi colocado como algo intelectual demais, cult demais, elite, intocável, esquisito. sim, como eu cresci em um ambiente que não incentivava muito este hábito, só vi coisas assim, não necessariamente negativas, mas sei lá, se você é uma pessoa que lê, você não faz parte da vida social. meu caso isso não estava completamente errado, sempre fui muito sozinha e a leitura era meu refúgio.
enfim, ler, essa coisa de gente esquisita.
corta para muitos anos depois, BOOKSTAN! influencers de livros, infinitos vídeos e conteúdo dando reviews, listas de livros que você PRECISA ler com objetivos predeterminados, enfim, uma infinidade de gente falando sobre LIVROS! primeiro, confesso que acho irônico o fato de que tudo que é dito, não é por mídias escritas, mas sim por vídeos, aqueles reels de 15 segundos, porque é o tempo que você presta atenção. segundo, como sou apegada ao analógico, tudo que vem da internet eu tendo a olhar com ceticismo.
eu já imagino tendo esta conversa com meu namorado e ele falando que eu deveria olhar para o lado positivo, afinal, isto incentiva as pessoas a lerem, estes conteúdos ajudam a divulgar livros que muitas pessoas não conhecem… e da mesma maneira que eu falaria para ele: EU SEI EU SEI! mas eu estou aqui para falar mal.
até porque, ok, temos sim o lado positivo dos influencers de leitura, contudo, como tudo na internet e na vida, existe um lado bom e ruim. e claro, quero falar do ruim, até porque é exatamente ele que transforma leitura em um status e não em uma atividade.
eu adoro buscar as origens das coisas, para mim, um ponto de começo para tudo isto é a galera coach-empreendedora que pensava muito em ter habitos saudáveis que aumentasse a sua produtividade, ou hábitos dos bilionários que você precisa ter se quiser ficar rico.
ler é um daqueles hábitos que está no senso comum de “fazer bem”. não preciso listar aqui os benefícios, você talvez saiba sobre ele mais do que eu. então é isto, ler faz bem e se você quer ser rico, você precisa ler (imagine aqui uma lista de livros tipo pai-rico-pai-pobre).
eu fui obrigada a ver homens com princípio de calvície falando essas coisas. foi difícil, mas sobrevivi, porém, a quantidade de gente criando estes conteúdos era considerável, mas sendo sincera, eu acho que boa parte dessas pessoas nunca leram um livro inteiro na vida.
então é isto, para você vencer na vida, é preciso ler. contudo, sinto que somos uma manada que precisa de um líder, uma referência para nos dizer exatamente o que temos que fazer. não à toa os conteúdos infinitos justamente sobre isto: te dizendo o que você deve fazer, com base em algum objetivo mínimo que você tenha na sua vida.
com leitura não é diferente, é um hábito que todos desejam, mas poucos de fato o tem. porém, ela não é uma coisa simples, dentre todos os hábitos, acho que é o mais complexo no como ter, como começar, como manter, com que frequência ler, etc..
a parte de começar a ler é o que acho mais curioso. não tem regra, como tudo que envolve leitura, não existe receita de bolo.
então, antes de seguir, quero que você pense como que começou a ter esse hábito e até se você via seus pais lendo.
meus pais não eram leitores, eu caí nesse mundo por uma soma de fatores, pela solidão, por uma escola que te obrigava a ler um livro por semana e fazer um resumo e por um pai com uma estabilidade financeira suficiente para nunca negar um livro, mesmo que eu não lesse naquele momento. eu fui sozinha, não fui obrigada, apesar dos deveres da escola.
contudo, não nego, meu caso é uma raridade.
semana passada saiu uma notícia de uma mãe, jornalista, que estava no desespero de fazer sua filha, de 12 anos, largar o streaming e ler um livro. a medida foi: pagar 100 dólares para ela terminar de ler um livro em um mês. para saber qual livro dar, ela pediu recomendações para conhecidos e a escolha foi um livro que era de uma série que a filha tinha visto e amado. a menina terminou o livro em poucas semanas e quis continuar lendo outros da série, sem receber dinheiro para isto.
e o ponto importante aqui: para começar a ler você só precisa encontrar um livro do tema que goste. não sabe do que gosta? vai lendo, se não gostar, larga. simples.
neste caso, as listas de livros com temas específicos de fato podem ajudar. porém, tem momentos que elas não são nada úteis:
eu vi esse post no notes na semana que eu estava acabando um livro que eu levei 3 meses para terminar de ler. o livro era “Chamamento ao Povo Brasileiro" do Carlos Marighella. ele tem 320 páginas, tamanho médio, que em geral eu levaria no máximo um mês para ler. não era necessariamente denso, sua leitura era fácil até, mas o tema era complexo e minha vida estava (ainda está) complexa, então, lia sempre quando pudia.
e no meio desta onda de um milhão de conteúdos sobre leitura, o que mais me deixa irritada são os que trazem a ideia de produtividade. não nego que sinto que rola até uma competição de quem consegue ler mais livros no ano, ignorando completamente o papel da leitura: ausência de pressa, o tempo de digestão, as reflexões, os sentimentos.
leitura virou mais uma atividade para você ter que ser produtivo. e eu vou ser chata aqui, quem segue essa lógica não é leitor de fato, só é uma pessoa que lê umas paradas.
existe uma grande diferença entre um livro que você pode ler rápido de um livro que tem poucas páginas. e falar que tem poucas páginas dá uma sensação de que ele vai ser menos impactante, menos denso, mais leve. da minha experiência, os mais curtos foram os que mais me impactaram.
A obscena senhora D, Hilda Hilst;
Memórias do Subsolo, Dostoiévski;
A morte de Ivan Illitch, Tolstói;
O pacto da branquitude, Cida Bento;
A casa dos Budas Ditosos, João Ubaldo Ribeiro.
enfim, se você quer uma lista de livros curtos e impactantes, está aí.
leitura não é para ser rápida, leitura não é para ser algo produtivo, é para preencher a sua existência de reflexões e sentimentos.
quem fica muito dentro destes conteúdo acaba perdendo a verdadeira magia do que é ler.
encontrar o livro que explica examente o que você está sentindo.
encontrar o livro certo na hora certa.
descobrir livros incríveis só porque o título soa bonito, tem uma capa bonita, parece ser raro.
ler algo tão poderoso que é capaz de mudar sua visão de mundo.
ter contato com vivências que você nunca teria.
enfim, mais listas.
no fundo, ler virou aquela coisa que você diz que faz porque soa intelectual, porque soa especial, aquela coisa diferentona que dá um ar superior para quem diz: sim, sou leitor. se ao menos lesse de fato seria ótimo, o tanto que as pessoas têm dificuldade de interpretação de texto me choca a cada dia.
e assim, eu realmente precisava tirar isso do meu peito, porque, sendo leitora desde a infância, fico muito irritada com como o mercado editorial está sendo, afinal, o foco é só trazer títulos que estão na moda, que vendem mais. aí você entra em livraria e só tem livros de coachs, evangélicos e tiktokers, pior ainda, se vai na seção de filosofia e ciências socias, só tem coisa de liberal e desses filósofos de bolso com frases feitas.
para minha tristeza, nem sebo tem se salvado dessas…
semana passada eu não escrevi, estava numa crise absurda motivada por crise climática e eu não consegueria escrever nada além sobre o fim dos tempos.
este tema não saiu da minha mente, ainda estou muito aflita, então, queria deixar textos aqui que conseguem resumir bem o sentimento:
o sentimento de para que fazer as coisas se vamos morrer a qualquer momento, Dia sim Dia não;
e como a gente consegue manter a positividade vivendo no meio de um monte de imbecil, da Taize Odelli;
a dificuldade de pensar em novo futuro, da Gabi Albuquerque.
e para complementar a leitura desta cartinha, o texto do Luri citando o Umberto Eco e o lance de que é sim importante comprar mais livros do que você tem capacidade de ler.
quero encerrar com esta imagem, porque ela resume o CIRCO que é a política brasileira, em breve irei falar do coach aí.
essa mania de que tudo tem que ser metrificado acaba com o prazer da leitura. cada leitor que encontro seu ritmo e leia no tempo em que for possível, que der prazer. a gente já tem tantas obrigações na vida para se impor mais essa…
Parece que tem uma corrida e um pódio entre os leitores. Me vejo ansiosa em vários momentos querendo dar conta de ler tudo que encontro de interessante por aí, mas sei que é impossível.
Em relação aos 100 dólares da criança, sinceramente, não consigo achar tão negativos assim (ainda que essa barganha financeira seja péssima e do muito do ethos norteamericano). Eu leio pra caramba e minha filha não tem o menor interesse em leitura. Já fiz vários dobrados aqui e nada surte efeito. Fico frustrada, pois acho que o livro é o objeto mais fascinante que a humanidade já criou.