existe um esforço de pensamento que está dentro da academia e de gente fora dela, que é: como que o fascismo voltou a ser moda? quando isto começou?
tudo na vida social é um processo, nada vem do além e se estabelece, tudo vai entrando no pensamento comum à medida que as ideias vão ficando palatáveis. o fascismo não veio do nada, mas foi ganhando público ao longo destas últimas duas décadas, pensando em um cenário pós segunda guerra mundial.
a contragosto da primeira briga do notes (depois explico a fofoca), vou começar trazendo pedaços de um relato pessoal que foi se tocando que a política estava caminhando para o caos.
primeiro, quero que você pare e pense onde estava em 2013, o que estava fazendo, como era sua vida. depois quero que você lembre que este ano foi quando rolou massivos protestos contra o aumento das passagens de ônibus e metrôs em todo o território nacional. o que começou como uma campanha de catraca-livre, contra o abuso do aumento que não acompanhava a qualidade do transporte público, teve uma guinada para imensos protestos genéricos contra o governo vigente, era o primeiro mandato da Dilma.
foi a sementinha para movimentos como o mbl surgirem e também abriu um espaço para uma direita meio esquisita conquistar as pessoas. neste ano, eu ainda estudava física na Unicamp, mas vindo de um contexto sempre mais à esquerda, eu já sentia que tinha alguma coisa muito esquisita. observava o que meus amigos estavam defendendo, a presença deles nesses protestos, mas sem levantar qualquer bandeira ideológica específica, porém, que faziam muito coro com ideias liberais. achava esquisito, mas segui a vida.
o ano seguinte não foi muito melhor. eleição de 2014, Dilma contra o aspirador de pó do PSDB, foi uma das campanhas mais brutais que vi contra uma mulher, o ódio contra o PT e partidos de esquerda, de forma geral, estavam se intensificando. o discurso antipolítica também estava tomando força, efim, um caldeirão que estava tornando a fala pública cada vez mais conectada com a direita. contudo, a Dilma ganhou e eu senti que poderia respirar tranquila, a vida seguiu.
dois anos depois, eu já tinha saído da física e retornei à Unicamp, agora cursando ciências sociais. e para te situar com o que tava rolando no momento. o mundo passou por uma crise econômica em 2008, contudo, as políticas econômicas da Dilma seguraram muito o rojão e não sentimos muito os seus efeitos até esta virada para o segundo mandato dela. ela, tida como uma política rígida, que não ouvia ninguém, não adotou as medidas liberais que todos a sua volta falavam que era a solução. ela não era uma presidenta manipulável, então, era preciso tirar ela de cena. todo um circo foi armado para fazerem um golpe e tirarem ela do poder.
isso aconteceu no segundo semestre de 2016. eu lembro muito claramente, era um ano de muitos protestos dentro da universidade, muita gente de olho na postura do então presidente da câmara dos deputados, o Eduardo Cunha, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. até que um dia, numa manobra covarde, ele colocou em votação o impeatchment, sendo aprovado na calada da noite. no mesmo dia eu teria aula de política brasileira, tendo a disciplina com a temática sobre golpes de estado, e entrar naquela sala de aula, com este tipo de tema e com o acontecido foi como se alguém muito importante tivesse morrido. pensa num clima de velório… para mim, este foi o dia mais claro: tem merda muito maior que está por vir.
detalhe, 2016 foi o ano no qual o trump foi eleito nos EUA.
vida segue, um caos do mandato do Temer, muitos protestos, greve de caminhoneiros, reforma trabalhista, que levou a pjotização do trabalho que vemos hoje e uma figura começou a aparecer com maior força na mídia, sim, ele mesmo, o salnorabo.
devido a uma depressão profunda, eu lembro pouco dos anos entre 2017 até começo de 2019, mas eu lembro muito bem de alguns episódios de 2018. lembro do incêndio na biblioteca nacional e como aquilo trazia uma simbologia tão forte para o momento. nada mais notório para ascensão do fascismo do que ver uma biblioteca pegando fogo. era um prenúncio, salnorabo ganhou as eleições e eu fiz um biscoito de gengibre para descontar a raiva. algo bem kafkaniano, nível “alemanha declarou guerra à rússica. de tarde fui nadar", de tentar abstrair o caos externo e fingir normalidade.
bom, nem vou descrever o que foram os anos de 2020 até outubro de 2022… trauma recente, vamos falar disso na terapia primeiro. mas, podemos trazer o respiro de outubro de 2022 aqui no brasil e do início de 2022 na frança, ambos os países tinham como concorrência à presidência um candidato democrata e um fascista. aqui, Lula e salnorabo, lá Macron e le pen. a democracia venceu! foi quase uma sensação de mundo voltando ao normal, de tranquilidade, mó paz, podemos esquecer de política por um tempo e viver nossas vidas normais…. não, meu caro leitor.
eu bati e ainda bato nesta tecla: a gente venceu uma batalha, não a guerra. só venceremos a guerra quando fascista voltar a ser uma ofensa, quando ser de extrema-dereita for algo nojento de novo.
e com isto trago a importância de se prestar atenção na política internacional.
este ano está um caos político na tão pacífica e angelical europa, que conseguiu se ver livre das ondas de extrema-direita destes últimos anos. contudo, nem ela está ficando livre.
dentro do parlamento europeu houve um avanço de grupos fascistas e dentro da alemanha, o partido neonazista está ganhando força. isso aqui é algo notável, acho que é de senso comum a campanha alemã para evitar que o que aconteceu na segunda guerra mundial aconteça novamente, eles conseguiram barrar o avanço da extrema-direita por anos, mas não estão conseguindo agora. é algo preocupante, pensa comigo, se um país que ATIVAMENTE criou barreiras contra o fascismo não está conseguindo conter eles, imagina nós, que até hoje tem gente que chama a ditadura militar de REGIME militar e não reconhece as torturas do DOI-CODI/DOPS.
outro país para ficar de olho é a França. Macron, numa manobra muito arriscada, motivado pela dificuldade de governar, resolveu dissolver o parlamento e antecipar as eleições legislativas, uma forma de dar um pause e perguntar ao povo “e aí, galera, o que vocês querem?”. o problema é que o povo está cada vez mais abrançando a extrema-direita e aqui está um ponto muito sorrateiro, porque né, a gente subestima fascista. ao longo destes anos, muitos políticos de direita começaram a usar discursos populistas da extrema-direita, uma tática para tentar ganhar público, mas veja bem, isto foi muito positivo, como disse o pai da Le Pen: deixa eles falarem, porque assim as pessoas vão se acostumando com a ideia e na hora de votar, o povo vai atrás de quem disse todas essas coisas pela primeira vez. então, o povo vai para extrema-direita.
é o que está acontecendo na França. e além deste avanço dos fascistas, acho interessante observar outro movimento, que é o encolhimento de políticos de centro. eu sei, você sabe, nós sabemos, qualquer coisa de centro no fundo é basicamente uma direita moderada, mas é curioso ver como está tendo um abandono de ideias mais “neutras" e as pessoas estão procurando mais políticos que levantam bandeiras, nisto, também é observável o avanço da esquerda também. tanto que, se continuar conforme estão as pesquisas, o parlamento francês terá como primeira força a extrema-direta, depois a esquerda e por último, com menos de 100 cadeiras dentre as 577, o dito centro.
e perceba que não é algo só lá, aqui também o centro está cada vez mais morrendo. o centro, eu digo esta direita moderada, não está tendo força alguma aqui. veja como é composição do senado e da câmara dos deputados, maioria de direita, depois vem a esquerda e por último as raspas de tacho do antigo centro.
não sei se você olha com temor o que está acontecendo na França, talvez você pense que é desnecessário, mas a questão é que olhar o cenário internacional de política ajuda ficar de olho no que pode acontecer por aqui. claro, não somos a França, mas também não estamos desconctados do mundo globalizado. fascismo virou uma espécie de tendência, então, como eu disse, até que isto vire uma ofensa, é para gente ficar preocupado.
outro ponto importante que vale ressaltar são os rostos jovens da extrema-direita e como isso me deixa preocupada com a esquerda. na França, caso o partido da le pen ganhe, a ideia é eleger um primeiro-ministro que tem, atenção, 28 anos. ele é jovem, não tem um passado atrelado diretamente com o nazismo e é tipo esta coisa do “rosto novo”, diferente, que atrai quem se sente à margem da política tradicional. e a questão é, eles souberam rejuvenescer seus políticos, não com plásticas, mas trazendo pessoas que não vão morrer tão cedo.
o que temos de juventude da esquerda? só penso na Erika Hilton aqui. claro, tem outros rostos, outras vozes aqui e no mundo, mas o problema é que pouca gente não faz revolução, nem reforma na realidade e os políticos de grande voz já estão um tanto quanto idosos, o que será de nós em 2026?
desculpa o pessimismo, mas não se esqueçam que esse ano também tem eleição para prefeito e vereador, não quero nem pensar o que vai ser disso…
eu amo política, mas é cansativo esta luta constante para manter o mínimo de dignidade porque um grupo muito grande de gente achou que fascismo seria uma boa ideia.
que está merda volte a ser um palavrão.
a fofoquinha é que esta semana rolou a primeira grande briga dentro do notes, que é tipo o twitter daqui do substack. basicamente uma grande briga de como se deve escrever e quem devemos pensar enquanto escrevemos, uma crítica ao excesso dos “eus" dos escritores, como se eles ingnorassem os seus leitores.
então está proibido falar de si no texto, hein!
brincadeira rs.
estou VICIADA nessa música dos racionais sobre o Marighella!
acho que ela desperta um desejo de revolução que tava meio morto por aqui, espero que ela faça isso com você também.
e que nunca esquecemos do que Marighella fez para lutar contra o fascismo no brasil.
Ela entrega tudo sobre política e ainda traz a reflexão sobre a gente ao mesmo tempo.
Eu lendo tudo, mas prestando atenção na fofoca sobre autoficção 🤭🫣🫠