ATENÇÃO: Spoiler do filme Zona de Interesse!
essa cartinha entrou para a categoria daquelas das quais eu escrevi, mas deletei a primeira versão. eu não quero ser mais uma voz pessimista, mas sendo sincera, também não quero ser uma pessoa delulu, fingindo que nada está acontecendo.
aliás, eu nem consigo ser tão apática assim, até porque eu coloquei como um dos valores inegociáveis da minha vida de não perder a sensibilidade. eu choro muito fácil, de alegria, de tristeza, de raiva, de chorar só por chorar… eu me comovo com facilidade, porém é um esforço consciente para não ceder à apatia, que acredito ser algo valorizado no sistema em que a gente vive, tendo a emoção colocada apenas quando autorizada de uma certa forma.
de novo, eu poderia ser mais uma voz que só fala da tragédia, mas no fundo que não traz nada de novo. e talvez não traga de qualquer forma, porém eu não me sentiria confortável de escrever um texto completamente fora da realidade em que estamos vivendo nessas últimas semanas, por mais que ela não esteja atingindo o estado de são paulo.
não vou contextualizar, você sabe muito bem qual é o assunto.
então, o que falar?
dentre todas as coisas que eu poderia trazer aqui, acho que a mais natural seria manifestar minha raiva de um governo liberal que desestruturou todo um estado, para depois ficar pedindo pix de doação e simplesmente não ter um plano de ação para uma tragédia anunciada, ou de empresas que não movem ou tiram um puto do bolso para ajudar, mas eu não vou falar disso. aliás, sobre isso vou deixar um texto que vai falar muito melhor sobre essa raiva. no fundo, o que me chamou a atenção foi o tamanho da comoção que isso gerou e alguns efeitos curiosos disto, lembrando que esse final de semana teve o show da madonna, mas dá uma segura nisso tudo que eu quero começar com divagações pessoais e trazer o filme Zona de Interesse.
crise climática, aquecimento global, a gente tem noção dessas coisas já faz um bom tempo, mas eu queria que você parasse e pensasse quando que sua ficha caiu do verdadeiro caos que é isso.
eu tenho dois momentos marcantes:
o primeiro foi um tempo apocalíptico nos céus de são paulo. se você é daqui, talvez se lembre que, em 2019, no meio da tarde, o tempo ficou escuro, nublado de uma forma que parecia que a pior tempestade do mundo ia cair, nuvens escuras, ar difícil de respirar. esperávamos chuvas, mas no fim era fumaça de uma intensa queimada que estava acontecendo no norte do país. entedemos de maneira prática como funcionam os ventos, justamente os ventos que normalmente trazem chuva, no fim trouxeram fumaça;
o segundo momento foi, já em pandemia, em uma época na qual o tempo é geralmente mais quente, mas ainda era primavera e estava fazendo 30°C de noite, em uma hora que o calor já deveria ter diminuido. sinal de que os calores iam ficar cada vez mais intensos. e estão, ou você acha que esse calor todo é normal?
foram situações que me deixaram espantada, mas não nego, segui minha vida como se eu não tivesse nada a ver com isso, convenhamos, como todos nós fazemos até hoje com tragédias que achamos estarem muito longo de nós *cofcofpalestina-enchentesnonortenordestecofcof*.
mas será que a ficha cai?
nestes momentos, confesso que lembro um tanto do filme Zona de Interesse, que faz tempo que eu queria falar, mas admito que nenhum texto daria conta da complexidade deste filme.
apesar dele ser baseado em um livro cujo o plot parece ser bem mais simplório, basicamente um casamento em crise que calhou de ser um casal nazista, ele é primoroso em retratar nossa capacidade de apaticidade em meio ao caos, ao horror e a tragédia.
o filme é simples, basicamente temos o retrato de uma família de um general nazista que morava do lado do trabalho, que no caso era o campo de concentração de Auschwitz. mas a questão é mostrar como essa família vivia mesmo tendo cheiros horríveis por perto, gritos de terror, fumaça sempre em horários específicos. é primoroso, se é que essa palvra faça sentido aqui, como ele consegue contrastar o horror com a vida pacata, isto gera até um incômodo, você assisti e fica se questionando como essa família consegue viver ali.
e pior ainda, não há remorso algum por parte da esposa, afinal, eles lutaram muito para ter uma casa grande, confortável e com empregados. em contra partida, dentro de todas as tentativas do maridos de tirar a família dali, começa a existir uma aprente culpa do extermínio, ao final do filme você o vê vomitando inúmeras vezes, quase como se o corpo reagisse através de alguma doença. e não, não quero dizer que o general nazista começou a ter remorso e entender o horror que estava praticando, não vamos nos esquecer do julgamento de nuremberg, no qual muitos nazistas foram julgados e pouco realmente apresentaram arrependimento, mas sim que, de alguma forma, o corpo dele estava reagindo à crueldade que ele praticava.
se ele estava se comovendo ou não com aquele sofrimento, esta pergunta não tem resposta.
e falando em comoção…
não vou mentir que me surpreendi com o tamanho da mobilização que o país teve para ajudar o rio grande do sul, algo que me deixa feliz por pensar que uma ação coletiva potente é sempre possível, contudo, o que me pegou foram os bastiões da moralidade xingando quem estava falando do show da madonna.
o lance dessa coisa de comoção é que ela é muito subjetiva e é complicado prever o que pode impactar tanto as massas a ponto de todo um país se unir para arrecadar doações. e o fato de ser subjetivo é que você tem que esperar que a causa toque o coração de cada um, porém, nem todo mundo pensa igual.
sabe aquele lance quando você está de luto, ou passando por um momento muito difícil e você sente uma certa dor de ver o mundo a sua volta continuando? nem todo mundo sente a mesma dor que você e essa é uma das realidades mais duras de se encarar neste mundo individualista.
então, sobre os bastiões da moralidade. além de deixarem claro uma visão de espanto quanto ao show da madonna, era bem evidente que todos os argumentos giravam em torno de “madonna, aquela puta depravada". e para quem não entende o que ela representa, este show foi uma pura diversão e quem estava ali, meio que estaria cagando para o que está acontecendo no rio grande do sul.
e surpresa surpresa, as duas coisas são perfeitamente possíveis, curtir o show e ainda sim se comover com o que está acontecendo nas terras gaúchas.
madonna pode parecer esta coisa horrenda para estes conservadores, contudo ela foi e é uma voz poderosíssima sobre a sexualidade feminina e a defesa do público lgbtqiap+. a gente não tem noção do que foi o genocídio através da epidemia da HIV/AIDS, doença que está aí até hoje, que ainda mata e que, por muito preconceito, tem quem ainda ache que apenas gays, prostitutas e usuários de droga é quem se infecta, sendo que hoje, o vírus e a doença, são mais predominantes em grupos heteros.
quando foi a última vez que você se testou para IST's?
então, estas carolas que não podem ver nada relacionado a sexo por aí acabam usando uma causa urgente para destilar conservadorismo.
um show desta dimensão, além de mostrar que uma artista com mais de 40 anos de carreira continua relevante, também é uma importante catarse coletiva que gera esperança e motivação para gente seguir com vontade para construir e reconstruir o mundo.
que é exatamente o que a gente precisa neste momento.
eu fico pensando que essas carolas são este equivalente do general nazista aparentando alguma reação de culpa, ou remorso, mas de uma forma um pouco mais macabra. até porque, pegaram dois assuntos meio nada a ver só para realizar uma crítica moralista e uma comoção seletiva, reforço a seletividade porque, querendo ou não, enchente não é um problema novo no brasil, ela só está ficando cada vez mais comum e pior pela dimensão que a crise climática está tomando.
critico a ajuda ao sul? JAMAIS, tem que ajudar mesmo, você que está lendo aqui, doe dinheiro, roupas, alimentos, itens de higiene ou faça o que for possível para você, contudo, não deixo de questionar essa seletividade de comoção, muito porque a impressão que me deu é que soou socialmente correto se comover por aquilo. e trago como contra ponto as enchetes do norte e nordeste, o fato do Amapá ter ficado 20 dias sem luz…
DE NOVO PORQUE INTERNET É BURRA: CONTINUEM AJUDANDO O SUL!
no fundo, é interessante ver a incapacidade de pensamento social por não entender como uma coisa não anula a outra. amar e curtir o show da madonna não impede ninguém de ajudar o rio grande do sul. até porque, não vamos nos esquecer, que algo que ajuda a catar os caquinhos pós-tragédia é justamente a arte.
ajude o sul e veja o show da madonna.
um texto para entender a raiva com relação ao governo.
o episódio dessa semana do angu de grilo sobre as enchentes e como elas eram sim previsíveis, então o governo poderia ter feito algo.
e doe para ongs, movimentos sociais e cozinhas solidárias, não doe para o governo estadual.