um texto saído diretamente da coitadolândia.
eu não tenho orgulho disso, mas eu guardo rancor das pessoas, não importe o quanto eu tenha carinho por elas, se ela disser algo que me ofenda de alguma forma, eu vou guardar aquilo dentro de mim. às vezes passa, mas geralmente fica aqui e isto faz eu mudar a minha percepção da pessoa. posso ainda manter um carinho por ela, contudo, dificilmente vou querer manter ela na minha vida.
me sinto meio extrema, apegada sem necessidade alguma, contudo, é isto que consigo oferecer.
ausência é uma parada que mexe muito comigo, vivi e vivo uma vida muito solitária, tanto por escolha própria como por costume imposto. tenho parceiro, tenho amigos, apesar de poucos, porém, venho de uma família que me empurrou para solidão. sou sozinha desde pequena e o vazio sempre esteve presente.
contudo, isto não quer dizer que fico bem quando um vácuo surge. vai sempre mexer comigo e a criança abandonada adora aparecer.
duas falas se convergiram, de uma certa forma, uma dita por uma amiga, há um ano atrás mais ou menos, e outra dita recentemente pela minha psicóloga.
você precisa procurar se distrair.
há um ano eu sofria um abandono duplo, da pessoa que eu estava me envolvendo e da minha antiga terapêuta. eu estava em desespero, com pouco tempo de terapia, com a depressão potencializada pelo burnout, eu não sabia o que fazer. cometi o erro de sobrecarregar esta tal amiga e fiquei profundamente ofendida pela fala dela. o conselho dela foi que eu deveria me ocupar, como eu estava desempegrada, meu drama era fruto da minha vagabundagem, eu tinha que procurar o que fazer.
fiquei ofendida não só por essa percepção dela sobre mim, mas sobre ela, no fundo, estar mais defendendo o cara do que eu. eu não poderia sentir aquele abandono, porque no fundo, ele tinha mais o que fazer da vida dele, assim como eu. ela não estava totalmente errada nisso. mas ela estava errada em pesnar que todo meu pensamento era fruto de uma mente desocupada.
viver sozinha desde criança te traz algumas habilidades, além de uma boa criatividade, também te possibilita criar muito espaço mental. eu poderia não estar trabalhando, mas eu estava ocupada, meu problema sempre foi o excesso de espaço na mente, eu fazia tudo que me surgia, porém, o corpo cansa muito antes da mente estar preenchida, eu fazia de tudo para me distrair, mas nada era o suficiente, eu conseguia fazer de tudo e ainda sim sofrer pelos abandonos.
eu tenho um rancor pela fala dela e por todo mundo que fala que é preciso se distrair, como uma forma de esquecer um pouco dos problemas. minha psicóloga tem dito isto nas últimas duas semanas, mas eu não entendo como fazer isto, minha mente não funciona da mesma forma que todo mundo e meu corpo já não aguenta mais tanta atividade física.
bebo pouco, não uso drogas, não sou medicada, vivo no pelo sofrendo tudo o que minhas emoções tragam, por mais que todos ao meu redor digam para eu sentir menos. eu sei que é foda ver gente sofrendo, mas sempre sinto que quando reforçam todas as falas que cobram para você a sofrer menos é uma pura projeção de não querer estar frente a frente com o que a vida traz, o sofrimento. querendo ou não, viver é sofrer, viver é um paradoxo de estar sempre ao lado do belo e do horror, mas está todo mundo evitando de lidar com o horror.
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comoções pontuais diantes de tragédias sempre foram algo fascinante para mim. porque, apesar de mostrarem que a força coletiva tem um potencial absurdo, ainda sim me traz a certeza que na semana seguinte todo mundo vai esquecer o que aconteceu e viver sua vida normalmente, pois, afinal, a vida segue.
pensando muito nesta parada de ter que se distrair, porque senão somos engolidos pelos horrores da vida, e que muita gente consegue com facilidade focar em si mesmo, sempre vem na minha mente todo o conflito do individual e coletivo.
focar em si e se distrair para não se atingir é uma coisa que eu particularmente tenho muita dificuldade, seja pelo excesso de espaço mental, que é facilmente ocupado por demandas alheias, por um Eu fraco, ainda estou no processo de entender que existo, e pela minha crença de que o coletivo é sempre superior ao indivíduo.
hoje, depois de duas semanas de terapia com essa ideia do foque em si e se distraia, acabei lembrando de um livro primoroso do Pierre Clastres, “A sociedade contra o Estado”.
um dos poucos antropólogos marxistas que li, este livro traz diversos artigos sobre povos ameríndios e como eles possuem uma estrutura política e mítica que impede a existência de um Estado, sendo algo que podemos ampliar até para esta ideia de que o indivíduo nunca vai ser superior ao coletivo.
dentre os diversos textos, o que eu lembrei agora foi “Do Um sem o Múltiplo", no qual ele discuti sobre um mito guarani que aponta todo o problema que o Um traz, o um no sentido de tudo que é único, o um que acumula tudo em uma coisa só, paralelo esse tanto da ideia de Estado quanto a de individualidade. então, como uma coletividade, o povo guarani luta contra o Um, porque o múltiplo é o que une o povo, é o que faz eles superarem as tragédias das quais lidaram.
eles fogem do Um, eles se unem contra Um.
nestes momentos eu sinto que é bom demais ser antropóloga, porque é comum ouvir as pessoas falarem sobre o mundo ser assim e você meio que tem que aceitar, que não existe outras possibilidades, mas ler outras culturas mostra que é possível sim.
o pensamento ocidental é pautado no Eu como foco, mesmo pessoas que se importam com esta coisa chamada coletivo, abandonam tudo muito fácil a luta para este cuidado de si. porém, acredito que se realmente existesse uma força de união, o cuidar de si também passaria pelo coletivo. sempre falamos o quanto não somos nada sem o outro, contudo, não vivemos de fato isto.
a gente fala algo assim para benefício próprio, uma fala bonita que para mim transparece muito mais um explorar alheio do que uma força coletiva.
e de tanto ouvir que eu preciso me distrair e focar em mim, fico me questionando se vou sucumbir e abraçar o individualismo também.
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em um texto passado, tratei de um questionamento sobre explicar o que nós, minorias políticas, sofremos, já que raramente somos ouvidas. eu fico um pouco delulu com esse tipo de assunto às vezes, mas não nego que algo sempre me puxa para: homem realmente não entende e não quer entender o que é ser mulher.
começa com todo o bafafá que rolou daquela coisa de que se você estiver perdida no meio da floresta, se prefere encontrar um urso ou um homem. claro que os homens que se dizem aliados entenderam a questão, afinal, homem é sempre um estuprador em potencial. contudo, muitos se ressentiram com essa ideia e deu para ver que não entenderam a questão.
vi diversas tirinhas mostrando a mulher sendo morta, tipo “é isso que vocês querem, mulheres?”, sendo que sim… o ponto todo era preferir morrer do que ser estuprada.
outra parada é um aparente choque de ter que existir um abrigo que separe as mulheres e crianças dos homens.
no fundo, eles estão muito mais preocupados em se sentirem ofendidos quando mulheres deixam claro o medo que sentem deles, do que entender de onde isto vem.
a gente, enquanto mulher e mesmo sendo hetero, cresce entendendo que homem, qualquer homem, mesmo o que a gente ama, é sinônimo de perigo. é difícil falar, é difícil admitir, mas é esta a realidade que a gente vive. não à toa estamos constantemente sob o modo alerta.
assim como o twitter, eu sempre tenho minhas pautas de crise recorrente e ser mulher é uma delas.
eu acho profundamente irritante ouvir reclamação de homem, sobre aparência, sobre acharem que se dão mal em relacionamentos, sobre falta de privilégio profissional por qualquer motivo que seja, sobre mulher exigindo o básico, sobre qualquer coisa na realidade. é um choro que envolve o não acesso a certas regalias da vida, contudo, nós mulheres, que clamamos pelo básico, ouvimos, constatemente, o quanto somos chatas.
estando prestes a pressentir a maldição de eva acometer o meu ser (menstruar), fico ainda mais sensível quanto a estas questões.
eu brinco que eu quero ser uma geladeira de forte, mas eu não pego tanto peso assim, porém não nego que fico frustrada quando preciso reduzir carga porque o corpo está fazendo seu ciclo natural. nosso treino não é montado para respeitar o nosso físico, até porque a gente sempre olha o lado masculino, eles conseguem manter constância no treinamento, a gente não. me frustra, não minto, porém eu não quero ter que deixar de menstruar só para me equiparar ao homem, eu quero um sistema que respeite meus ciclos.
outra coisa comum é ver o homem adulto percebendo que a vida é difícil, que mesmo você se esforçando, nem sempre consegue conquistar as coisas, que o existir é uma parada muito maluca.
semana passada rolou algo assim, um cara falando que ser adulto é perceber que tudo vira uma grande reflexão, que ele queria voltar a ser criança, porque era um tempo mais simples, que ele poderia só existir e fazer suas coisas. muito engraçado, porque eu, com 8 anos, já estava questionando a minha existência e o propósito da vida.
um dia ainda crio coragem e faço um texto completo sobre minha irritação com reclamação masculina, sei que homens que lerão meio que vão entender, mas confesso que não gerar incômodo me faz achar que o texto está suave demais. sobre este tema, eu não quero ser suave, eu quero ser agressiva, eu quero sim falar que sinto que essas reclamações são frívolas e egoístas, que eles reclamam puramente porque sentem que o mundo não é mais deles e não podem mais nos violentar e manipular com a facilidade que tinham.
talvez eu pudesse começar com o fato do quanto homens só crescem emocionalmente quando geram trauma em alguém. quem sabe?
que todo homem é essencialmente egoísta.
enfim, não vou começar este novo texto aqui, afinal, só é apenas um desabafo de estar vivendo no pelo estas últimas semanas e estar meio sem saber o que fazer para me sentir melhor.
Tem sido difícil escrever esses tempos e este saiu tão pior quanto um parto. Levei muito mais tempo do que gostaria para escrever, mas o importante é que saiu.
Também estou sem energia para fazer comentários e dar dicas. Quando as coisas melhorarem, isto volta.
E obrigada se você leu até aqui!